segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Relevância

Tem gente que guarda muita informação estranha na cabeça. Quem foi o ganhador do Oscar de 1986, quantos degraus há na escada, a previsão do tempo para quarta-feira, etc. Admiro quem consegue lembrar naturalmente esse tipo de coisa, eu já não tenho a mesma facilidade. Minha memória é ruim, péssima pra dizer a verdade. Tenho a impressão de ter esquecido uns 70% do que aprendi na escola, sem muito remorso de dizer. Mas esse meu esquecimento vai além, rompe a fronteira perigosa das senhas, telefones e do que aconteceu ou deixou de acontecer ontem.

Mesmo falha, não considero meu tipo de memória algo inútil. Há nela uma seletividade bizarra da qual me orgulho. Confesso não lembrar qual foi o time vencedor o brasileirão do ano passado, mas sei que na casa de Amone os talheres são guardados na gaveta da direita do móvel de madeira. Sei também que Clarissa adora mostarda, que minha avó sempre toma café às três da tarde, que Daniel gosta de cobertura de kiwi no sorvete, minha mãe não bota açúcar no chá, Alisson não come carne de boi, Cecília tem alergia à lactose e Renata acha miojo de legumes o melhor entre todos.

Isso pra limitar os exemplos aos hábitos alimentares, que não são exatamente o tipo de informação que se costuma registrar. Isso não significa que eu seja a pessoa mais atenciosa do mundo, pelo contrário, às vezes eu até deixo de lado aquilo que realmente importa porque me atenho a esses detalhes estranhos. Não é uma obsessão, não é a meticulosidade chata dos virginianos, é só que meu banco de dados, ainda que incompleto e desorganizado, é composto muito mais das coisas que eu sei sobre as pessoas do que seria considerado normal, ou mesmo saudável.

É comum, no meio de uma conversa, que alguém me pergunte: “Você lembra de fulano?” e eu responda prontamente que não lembro, porque realmente não lembro. Simplesmente deleto algumas pessoas para que outras, as que realmente importam, venham a ocupar esse espaço. Isso pode ser bom ou ruim, dependendo do ponto de vista. E talvez seja por isso tão divertido ouvir dois recém-conhecidos a discutir “Sim, mas onde exatamente fica a sua casa?”, “Virando a direita na rua tal, ali perto do posto, sabe?”. Pra mim esse tipo de indicação não faz o menor sentido, porque sei que vou esquecer em breve. A não ser que eu vá de fato lhe visitar, saber onde é sua casa não me diz nada sobre você.

De alguma maneira, ao menos na minha lógica, tudo que eu pergunto sobre alguém é relevante. Fazer a mesma pergunta duas vezes eu considero uma falha mortal, mesmo que a cometa com mais freqüência que o aceitável, porque significa que aquilo que me foi dito não foi registrado, passou batido. Porque as pessoas são como livros, sobre os quais eu vou me aprofundando, reconhecendo os traços do autor, amando-os por tudo que são. Perguntar algo que eu já deveria saber é como voltar uma página, um esforço necessário, mas que me custa tempo.

Talvez para alguns seja fácil fazer ambos ao mesmo tempo, lembrar das coisas do mundo e também saber que sicrano reparte o cabelo pro lado esquerdo. Maluquice ou não, comum ou não, essa minha habilidade, se é que posso chamá-la assim, nunca foi algo que eu tenha cobrado dos outros. É comum, isso sim extremamente comum, que alguém que me conheça há muito tempo pergunte distraidamente “E você, vai tomar o que? Coca ou guaraná?” e eu responda automaticamente (pela milésima vez) “Não, brigada, eu não tomo refrigerante” ao que se sucede um horrorizado “Não? Mas por quê?” ou um eventual “Ah, é mesmo, tinha esquecido que você não gosta”.

Esquecem desse detalhe o tempo todo, nunca me magoei por isso. Que eu esqueça algo do tipo sobre alguém é que me faz sentir mal. Pra mim importa, tudo importa, importa qualquer lapso de minha parte, importa conhecer e manter vivo na memória cada fragmento do mosaico que torna as pessoas especiais.

Isso porque é verdade que não ligo pro esquecimento dos outros, mas há também uma felicidade indescritível quando alguém do outro lado da mesa se antecipa a mim e responde “Ela não toma refrigerante” ou ainda quando eu era criança em plena festa de aniversário alheia aquela senhora me sorria e antecipava até meu pensamento “Tem suco pra você na geladeira”. Momentos assim eu gosto de causar, esse tipo de pessoa eu gostaria de ser.

Então: Oi, meu nome é Olga, e eu não tomo refrigerante porque não gosto do gás.

E agora você sabe algo realmente relevante sobre mim. (ou não...)

7 comentários:

Alissu Deschain disse...

Agora eu sei a causa.

\o/

É o gás.


Boa estréia, Olga-chan!

Anônimo disse...

“Era inevitável: o cheiro das amêndoas amargas lhe lembrava sempre o destino dos amores contrariados"


=)

_d.aia_ disse...

Saber de detalhes sobre as pessoas, detalhes que as tornam especiais e muitas vezes (qse sempre pra ser sincera), são os detalhes mais simples...

aqueles que passam batido.

Odeio cebola...
E adoro quando lembram disso...

É como pescar os peixes menores...
E saber que por mais simples e pequenos que sejam... foi VC quem os pegou...
Vc conseguiu... e graças a isso vc vai garantir o jantar de alguem...

é o mesmo q lembrar de detalhes de alguem q está do lado...
Ver o sorriso dela por ser lembrada naum tem comparação...
Adorei a estréia e por favor, continue escrevendo...

Eh gostoso ler algo assim.

Ikari disse...

Eu também não lembro de praticamente NADA da escola... Juro a você. Na verdade, você sabe que eu não consigo mesmo que eu queria, lembrar de certas coisas. Estranho, não? Já que a vida é a sucessão de lembranças nossas e dos outros. Mas é assim mesmo. Eu lembro de um monte de besteiras que não vão servir(em termos) para nada na minha vida. Que minuto do filme aparece uma cena que eu queira, como irritar de verdade certas pessoas, essas coisas. Meu clássico mesmo é colocar na cabeça "Hoje vai passar um filme de 20:00hr na televisão, em tal canal", mas, se me perguntarem que filme é, eu não lembro. Coloco na minha cabeça que o filme é bom e pronto.
Eu normalmente lembro que você não gosta de refrigerantes, mas, é instintivo para mim lhe oferecer e me espantar quando você diz que não gosta. Engraçado que eu até lembro, quando a gente não se vê que você não gosta de refri. Interessante, não?
Espero verdadeiramente que as pessoas não se ofendam quando eu esqueço praticamente tudo sobre todos, porque não é por querer mesmo. Como diria Luis Fernando Veríssimo :"É vivendo e Esquecendo"

Beijos, doida do pão
=***

Ikari disse...

Ps: tu num advinha quem sou eu! hehehehehe
Hihihihahanhonhonho IU!

Diogo Marinho disse...

olha que nao tomar refrigerante hoje em dia, é algo como ser um vegan straigh-edge. apesar disso, é impossível não admirar essa garota tão talentosa. parabens pelo texto! :]

olga disse...
Este comentário foi removido pelo autor.