Números, sozinhos, não significam nada. Já as quantidades, o passar do tempo e as distâncias podem ter mais de um sentido dependendo de como você os encara. Há inclusive uma música do Biquíni Cavadão que fala disso: “Quanto tempo demora um mês?” e, como o compositor mostra, o tempo não é o mesmo para todos, assim como tudo o mais que pode ser medido ou contabilizado. Dessa forma o sentido que qualquer número possa vir a ter só pode ser extraído por meio de comparações. Para uma mente ociosa como a minha estabelecer relações desse tipo acaba se tornado uma espécie de passa tempo. Então, se estiver disposto, me acompanhe:
257 crianças palestinas mortas.
São duas centenas, cinco dezenas e sete tipos diferentes de rostinhos infantis sendo consumidos pelos vermes nesse exato momento. É muito mais do que todos os meninos e meninas que eu conheço juntos. Uma média de quinze por dia. Assim, contando a partir do primeiro do ano, se a cada manhã apenas uma delas morresse demorariam cerca de oito meses e quatorze dias para que a última viesse a falecer. São quinhentos e quatorze olhos que agora já não brilham mais. Filhos, netos, sobrinhos, primos e irmãos que deixaram de existir.
E mesmo com todo o meu esforço eu não conseguiria traduzir o que esse número significa. Porque ele aumenta enquanto escrevo e, na verdade, eu não conheço a dor de uma mãe que vê seu filho morrer. E ainda que conseguisse essa proeza, para alguns, ele jamais deixaria de ser somente isso: um número. Mais um entre tantos que são anunciados pela repórter com a mesma naturalidade com que esta informa a previsão do tempo, aquela notícia que você escuta, diz: “Que pena”, ou simplesmente não diz nada, e continua a viver.
Durante duas semanas assisti diariamente a seis telejornais, três locais e três nacionais de emissoras diferentes e, se é que posso dizer, acompanho esse conflito desde o primeiro dia. Conflito, bonito eufemismo para banho de sangue. Eu vi e ouvi tudo sem me abalar, hipnotizada e protegida pela própria racionalidade, decepcionada com a lentidão das decisões de um conselho de segurança sem moral alguma, revoltada com o cinismo dos líderes de estado e de certa forma evitando pensar no quão conveniente é uma guerra só ter estourado após as eleições presidenciais americanas.
Ainda assim, apesar de sempre tensa, estava inteira. Prestes a vir para Sobral lembrei que nessa casa não temos uma televisão, ou pelo menos não algo que mereça esse nome, e que, portanto, daqui em diante tudo que acontece em Gaza pareceria tão distante quanto de fato é. Mas como eu disse, distância também é um conceito relativo. Desse lado do Atlântico não há estilhaços de bomba que me atinjam, mas talvez nem fosse preciso. O que me atingiu, que me fez entrar em colapso, foi isso:
“A equipe de resgate "encontrou quatro crianças pequenas ao lado das suas mães mortas em uma das casas. Elas estavam fracas demais para se levantarem sozinhas. “
Depois de saber de tantas mortes foram os vivos que me fizeram cair em desespero. Nada de fotos, imagens ou sons, só palavras. E no silêncio dessa sala eu gritei de dor e chorei até quase sufocar. Chorei por tudo, por saber que os que se foram morreram por nada, que há ainda aqueles que sofrem e sofrerão sem poderem sequer fugir ou receber abrigo, ou mesmo comida, água, remédios...poderia até dizer que chorei por todos os dias de combate que ainda virão, mas não, não foi só por isso. O que me fez perder a razão foi perceber que, naquele momento, chorar era tudo que eu podia fazer.
E enquanto lia os comentários consegui me senti pior ao ver se esvair a minha última doce ilusão, a de que todos os que não ganham diretamente com essa guerra estúpida são contra ela. Ledo engano.
“Qui, 08/01/09 19:32 ginzel, ginzel@estadao.com.br
Essas crianças nunca terão a chance de ganhar qualquer prêmio pois elas, quando crescem, costumam vestir uma roupinha de dinamite e explodir dentro de onibus e lojas, isso apoiado pelos próprios pais, pelo hamas, pelo hezbolah, pelo Irã.”
Isso, meus amigos, talvez justifique tudo. Talvez seja certo julgar os filhos pelos pecados dos pais, talvez seja sábio matar para evitar mortes, talvez o que vemos agora não seja mesmo terrível, uma vez que só o holocausto o foi. Talvez, enfim, esteja tudo certo. Eu mesma já não sei, para mim a lógica morreu 257 vezes e a esperança está fraca demais para se levantar sozinha.
257 crianças palestinas mortas.
São duas centenas, cinco dezenas e sete tipos diferentes de rostinhos infantis sendo consumidos pelos vermes nesse exato momento. É muito mais do que todos os meninos e meninas que eu conheço juntos. Uma média de quinze por dia. Assim, contando a partir do primeiro do ano, se a cada manhã apenas uma delas morresse demorariam cerca de oito meses e quatorze dias para que a última viesse a falecer. São quinhentos e quatorze olhos que agora já não brilham mais. Filhos, netos, sobrinhos, primos e irmãos que deixaram de existir.
E mesmo com todo o meu esforço eu não conseguiria traduzir o que esse número significa. Porque ele aumenta enquanto escrevo e, na verdade, eu não conheço a dor de uma mãe que vê seu filho morrer. E ainda que conseguisse essa proeza, para alguns, ele jamais deixaria de ser somente isso: um número. Mais um entre tantos que são anunciados pela repórter com a mesma naturalidade com que esta informa a previsão do tempo, aquela notícia que você escuta, diz: “Que pena”, ou simplesmente não diz nada, e continua a viver.
Durante duas semanas assisti diariamente a seis telejornais, três locais e três nacionais de emissoras diferentes e, se é que posso dizer, acompanho esse conflito desde o primeiro dia. Conflito, bonito eufemismo para banho de sangue. Eu vi e ouvi tudo sem me abalar, hipnotizada e protegida pela própria racionalidade, decepcionada com a lentidão das decisões de um conselho de segurança sem moral alguma, revoltada com o cinismo dos líderes de estado e de certa forma evitando pensar no quão conveniente é uma guerra só ter estourado após as eleições presidenciais americanas.
Ainda assim, apesar de sempre tensa, estava inteira. Prestes a vir para Sobral lembrei que nessa casa não temos uma televisão, ou pelo menos não algo que mereça esse nome, e que, portanto, daqui em diante tudo que acontece em Gaza pareceria tão distante quanto de fato é. Mas como eu disse, distância também é um conceito relativo. Desse lado do Atlântico não há estilhaços de bomba que me atinjam, mas talvez nem fosse preciso. O que me atingiu, que me fez entrar em colapso, foi isso:
“A equipe de resgate "encontrou quatro crianças pequenas ao lado das suas mães mortas em uma das casas. Elas estavam fracas demais para se levantarem sozinhas. “
Depois de saber de tantas mortes foram os vivos que me fizeram cair em desespero. Nada de fotos, imagens ou sons, só palavras. E no silêncio dessa sala eu gritei de dor e chorei até quase sufocar. Chorei por tudo, por saber que os que se foram morreram por nada, que há ainda aqueles que sofrem e sofrerão sem poderem sequer fugir ou receber abrigo, ou mesmo comida, água, remédios...poderia até dizer que chorei por todos os dias de combate que ainda virão, mas não, não foi só por isso. O que me fez perder a razão foi perceber que, naquele momento, chorar era tudo que eu podia fazer.
E enquanto lia os comentários consegui me senti pior ao ver se esvair a minha última doce ilusão, a de que todos os que não ganham diretamente com essa guerra estúpida são contra ela. Ledo engano.
“Qui, 08/01/09 19:32 ginzel, ginzel@estadao.com.br
Essas crianças nunca terão a chance de ganhar qualquer prêmio pois elas, quando crescem, costumam vestir uma roupinha de dinamite e explodir dentro de onibus e lojas, isso apoiado pelos próprios pais, pelo hamas, pelo hezbolah, pelo Irã.”
Isso, meus amigos, talvez justifique tudo. Talvez seja certo julgar os filhos pelos pecados dos pais, talvez seja sábio matar para evitar mortes, talvez o que vemos agora não seja mesmo terrível, uma vez que só o holocausto o foi. Talvez, enfim, esteja tudo certo. Eu mesma já não sei, para mim a lógica morreu 257 vezes e a esperança está fraca demais para se levantar sozinha.